IDN - Instituto de Defesa Nacional
LIÇÃO INAUGURAL
Sessão Solene de Abertura do Ano Académico 2001/2002
Presidida pelo Presidente da República
Lisboa, 28 de Novembro de 2001


REFLEXOS DA EVOLUÇÃO CIENTÍFICA E DAS NOVAS TECNOLOGIAS NA SOCIEDADE

Luis T. Magalhães
Presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia


Novas tecnologias e revoluções tecnológicas

Começo por clarificar o âmbito desta intervenção caracterizando melhor a expressão "novas tecnologias" no título que me foi proposto. Faço-o em termos das principais revoluções tecnológicas, ou seja das descontinuidades observadas nas tecnologias disponíveis. Por tecnologia entendo, como é habitual, o uso do conhecimento científico para especificar metodologias organizadas e reprodutíveis para obter produtos.

Para simplificar, consideramos três revoluções tecnológicas:

Com poucas excepções, as tecnologias da terceira revolução tecnológica devem-se a investigação básica realizada em universidades e laboratórios de investigação.

O estudo das revoluções tecnológicas mostra que as "novas tecnologias" que as caracterizam assumem a ubiquidade --- acabam por entrar em todos os domínios da actividade humana --- e seguem um perfil temporal de rápida aceleração de inovação nos primeiros anos de afirmação.

Estas características fazem com que o preço pago por se perder a fase inicial de uma revolução tecnológica seja muito elevado e tanto mais elevado quanto maior for o atraso de adopção das "novas tecnologias".

Os efeitos das "novas tecnologias" de que vou falar são os das tecnologias da terceira revolução tecnológica. Nesta revolução as tecnologias da informação desempenham o papel que foi desempenhado pela energia nas duas revoluções industriais anteriores --- da máquina a vapor à electricidade e aos combustíveis fósseis. É, portanto, razoável designar a terceira revolução tecnológica como a revolução das tecnologias da informação.


A sociedade informacional e do conhecimento

Quais são as principais características próprias das tecnologias da informação?

Na sociedade informacional, o recurso fundamental para o desenvolvimento económico e social parece ser cada vez mais o conhecimento. Na verdade, algumas das grandes tendências sociais e económicas da actualidade são:

A transição de uma economia industrial baseada em "coisas" para uma economia baseada em "símbolos" constitui uma oportunidade de importância especial que urge aproveitar.


O conhecimento é um recurso marcadamente diferente

É de notar que se trata de um desafio novo que requer novas metodologias. O conhecimento tem propriedades marcadamente diferentes das dos recursos económicos tradicionais: Nas palavras de Harlan Cleveland,

O conhecimento e a informação assumem um papel central na defesa nacional. Muito maior do que subjugar populações, alargar território, controlar rotas comerciais e de transporte, dominar fontes de energia e matérias primas, controlar recursos financeiros e mercados de capitais ou aceder a grandes mercados de consumo.


A sociedade do conhecimento é uma sociedade de organizações

Os factores tradicionais de produção --- território, trabalho e capital --- não desaparecem, mas passam a ser secundários. Podem ser obtidos facilmente com conhecimento especializado adequado. Contudo, o conhecimento especializado em si mesmo nada produz. Para ser produtivo tem de ser integrado numa tarefa. É por esta razão que a sociedade do conhecimento também é uma sociedade de organizações que asseguram a integração de várias formas de conhecimento especializado em tarefas comuns.

As organizações modernas têm de ser organizadas para a inovação que, como Schumpeter disse, é um processo de "criação destrutiva", pelo que têm de ser configuradas para funcionarem em permanente mudança.

As escolas e as universidades vão ter de mudar radicalmente, como não aconteceu desde há mais de três séculos, quando se reorganizaram em torno do livro impresso. Vai ser absolutamente necessário responder às necessidades de aprendizagem ao longo da vida, às disponibilidades de novos instrumentos de aprendizagem e à evidência que a aprendizagem é mais efectiva quando decorre durante a execução de tarefas concretas.


A educação é o cerne da sociedade do conhecimento

A educação é o cerne da sociedade do conhecimento. É de esperar que a aquisição e a distribuição do conhecimento assumam o papel que a aquisição e a distribuição de propriedade desempenharam no passado.

O aumento da produtividade do trabalho educacional, hoje em dia incrivelmente baixa, parece ser o desafio mais importante da sociedade do conhecimento. Dele dependerá a competitividade de indivíduos, empresas e nações.


O papel determinante do sistema de ciência e tecnologia

A capacidade para criar, disseminar e usar conhecimento é cada vez mais o principal factor do crescimento económico e da melhoria da qualidade de vida. Por esta razão, o Sistema de Ciência e Tecnologia assume um papel estrutural de importância fundamental para o progresso social. Em cada país aparece como a infra-estrutura básica da economia e da sociedade baseadas no conhecimento.

A qualidade dos recursos humanos é o principal factor para a criação e a difusão de conhecimento. A formação de investigadores e de outro pessoal altamente qualificado tem de ser necessariamente suportada no sistema científico, mesmo no que respeita a formação técnica como, por exemplo, a dos engenheiros.

A dimensão e a qualidade do Sistema de Ciência e Tecnologia e a sua capacidade para promover a emergência de lideranças novas e actualizadas são os elementos essenciais para uma renovação permanente do ensino e da formação nas fronteiras do conhecimento e das capacidades técnicas.

Na verdade, o Sistema de Ciência e Tecnologia desempenha um papel central no estímulo à curiosidade e à criatividade, no uso de conhecimento e no interesse pelo que os outros pensam, na inovação, modernização, actualização permanente e empreendedorismo, na assunção de riscos e no desenvolvimento de uma atitude optimista de que os problemas mais difíceis e complexos hão-de ter uma solução construtiva. Todos estes aspectos são crescentemente críticos para a economia e a sociedade baseadas no conhecimento.


Uma cultura de avaliação rigorosa e independente

Há uma outra linha de contribuição do Sistema de Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento económico e social que gostaria de mencionar brevemente.

Uma democracia mais participada, o acesso alargado à informação e comparações mais abertas à escala global levaram à necessidade política de melhores prestações de contas, eficácia e eficiência da administração pública.

Por outro lado, nenhum sistema pode ser gerido com eficiência sem a observação permanente dos seus resultados e impactos. Uma cultura de avaliação é instrumental para assegurar vantagens competitivas e o apoio a políticas públicas, com particular ênfase numa sociedade com as características que estamos a descrever, onde a transparência e o prestar contas na administração pública são crescentemente exigidas.

Devido às características especiais da ciência e da tecnologia no avanço das fronteiras do conhecimento, as metodologias de avaliação foram desenvolvidas de forma pioneira pelo Sistema de Ciência e Tecnologia e têm estado operacionais nos países mais avançados há várias décadas. Foram importadas para a administração civil de ciência e tecnologia na sequência da 2ª Guerra Mundial, com a criação em 1950 da National Science Foundation nos EUA. Esta agência desenvolveu os seus procedimentos a partir dos métodos de investigação contratada na sequência de concursos e avaliação de mérito por cientistas que foram iniciados pelo Office of Naval Research sob a liderança de Alan Waterman, depois de ter servido no Office of Scientific Research and Development, a agência que coordenou o esforço científico e tecnológico de guerra entre 1941 e 1945, e antes de assumir funções como primeiro Director da National Science Foundation, de 1951 a 1963.

Assim, os exemplos dos sistemas de avaliação da investigação têm a responsabilidade social de contribuir para o desenvolvimento de uma cultura alargada de avaliação envolvendo todos os campos das políticas públicas.


Liberdade e responsabilidade acrescidas

Máquinas equipadas com tecnologias de informação estão a assumir muitas das actividades de trabalhadores não qualificados, novas armas concebidas com elevada incorporação destas tecnologias alteram de forma decisiva o equilíbrio de forças na guerra, novas formas de transporte e comunicação tornam os indivíduos mais independentes e as sociedades mais interdependentes.

A capacidade tecnológica faz com que os seres humanos sejam agora mais responsáveis pela sua própria evolução do que a própria Natureza, o que leva à possibilidade e necessidade de serem tomados novos tipos de decisões, de grande complexidade e com possíveis efeitos de grande dimensão, que requerem organizações de novos tipos, geridas de novas maneiras e constituídas por pessoas com novas qualificações. Estas organizações não podem ser organizadas no modelo hierárquico piramidal tradicional e têm de ter hierarquias planas em que os processos de decisão são mais partilhados e difusos no seio das organizações, e requerem uma permanente interacção com o exterior num contexto de grande complexidade.

A evolução científica e tecnológica trouxe a necessidade de se fazerem mais escolhas em contextos de elevada complexidade e a possibilidade de escolher mais e entre mais possibilidades, o que trás aos indivíduos e às instituições um acrescido sentido de liberdade e responsabilidade partilhadas.


O Estado-Nação e a governabilidade da sociedade

A invenção da imprensa foi a principal razão do desaparecimento do sistema medieval e da emergência do Estado-Nação como o conhecemos presentemente, assim como da forma comum das mais variadas organizações.

Assegurar o bom funcionamento das redes de transmissão de informação deve assumir um papel tão central na administração pública quanto o desempenhado regularmente em relação às redes convencionais: abastecimento de água, electricidade, transportes.

Por outro lado, neste novo contexto as informações de base colectadas pelas administrações públicas assumem o papel de infra-estruturas para a construção de valor acrescentado pela sociedade civil. A sua disponibilização tendencialmente gratuita, como o foram as redes de transportes, torna-se urgente. O análogo das estradas na sociedade informacional não é apenas a rede de comunicação, mas também, e principalmente, a informação de base, pois o essencial nesta nova situação são os fluxos de informação.

A emergência das redes de informação, da adopção de novas responsabilidades pela administração pública e de uma mais distribuída governabilidade da sociedade trazem desafios de enorme dimensão.


O momento é um momento de oportunidades, mas também é um momento de grande urgência em recuperar o atraso herdado que requer um sentido estratégico, ainda insipiente entre nós, mas na linha em que o Instituto de Defesa Nacional tem procurado contribuir.


Muito obrigado pela vossa atenção.