Seminários sobre Inovação

 

Ciência e Tecnologia

 

Luis Magalhães

24.03.2004

 

“O crescimento económico não é um bónus, ou um resultado,
de uma política geral de afinar equilíbrios financeiros e macroeconómicos.
A longo prazo, o crescimento económico é definido sobretudo pelo progresso tecnológico
e pela acumulação de capital humano, a qual determina o modo e a velocidade
a que o progresso tecnológico penetra o tecido económico.”
(Third European Report on Science & Technology Indicators, CE, 2003)


Sumário


O produto bruto mundial per capita, a preços constantes, teve duas fases marcadamente distintas durante os primeiros dois milénios depois de Cristo: durante os primeiros 1820 anos manteve-se quase constante e nos 180 anos seguintes cresceu abruptamente para um valor 22 vezes superior. Abromovitz e Solow (Prémio Nobel em 1987) determinaram que capital e trabalho não tinham contribuído mais de 15% para o crescimento do produto dos EUA de 1870 para 1950 e que a principal componente para os 85% “residuais” tinha sido “inovação tecnológica”.

O início do acentuado crescimento económico a partir de 1820 deu-se na sequência de importantes descobertas científicas e tecnológicas num período de século e meio anterior, e foi acompanhado pela institucionalização de actividades de Investigação e Desenvolvimento (I&D) em vários âmbitos:

As inovações tecnológicas de base científica foram numerosas e tiveram grande impacto em variadas indústrias: tinturaria, fotografia, farmacêutica, borracha, petróleo, electricidade, iluminação, máquinas eléctricas, electro-domésticos, motores de combustão interna, automóveis, aeronáutica, comunicações, electrónica, computadores, biotecnologia. Em particular, o desenvolvimento da biotecnologia a partir de 1970 veio reforçar ainda mais as ligações entre ciência fundamental, tecnologia e inovação, com uma mais acentuada dependência de novos produtos em resultados científicos fundamentais. Os laboratórios de I&D de várias empresas tiveram um elevado impacto científico, em alguns casos mesmo em ciência fundamental. Um desenvolvimento recente, iniciado em meados dos anos 70 e acentuado nos anos 90, é a constituição por empresas de redes globais de laboratórios de I&D, principalmente para beneficiarem de recursos humanos com elevadas qualificações em vários locais de diferentes continentes e reforçarem ligações com universidades destacadas.

Várias razões determinam a realização de actividades científicas e tecnológicas em empresas: melhorar produtos e processos, desenvolver métodos avançados de controlo de qualidade, estabelecer ambientes de excelência e descoberta para atrair pessoas altamente qualificadas e inovadoras, manter liderança numa área tecnológica, desenvolver patentes para dominar áreas de negócio, obter poder negocial em alianças estratégicas ou alargar mercados, aumentar a adaptabilidade pela diversificação de produtos, assegurar capacidade de integração de tecnologias diversas, clarificar caminhos e tecnologias para desenvolvimento futuro, assegurar um potencial para “reinventar a empresa”, dispor de capacidade interna de interlocução com universidades – fontes de pessoas altamente qualificadas e de ideias –, afirmar prestígio no mercado pela demonstração de elevada capacidade científica e tecnológica. Um aspecto de interesse geral está bem expresso na frase de Nathan Myhrvold, matemático, CTO-Chief Technology Officer da Microsoft: “You get more ideas by thinking big than by thinking small”.

A análise das citações de artigos científicos em registos de patentes dá importantes indicadores para a interacção entre ciência e tecnologia. Um estudo realizado nos EUA em 2000 revelou que 73% das citações nos registos de patentes são a artigos da literatura científica académica produzida com financiamentos públicos, o triplo de seis antes. Um estudo recente da CE mostra que o número médio de artigos científicos citados em patentes registadas na Europa no período 92-96 por países da UE, EUA e Japão foi, respectivamente, 2,29, 4,04 e 5,49, valores significativamente maiores do que cinco anos antes, respectivamente, 1,78, 3,36 e 4,59. O mesmo estudo indica que a base científica das patentes registadas na Europa em 92-96 por países da UE em investigação científica básica, investigação científica aplicada/básica orientada, ciência/tecnologia da engenharia, e tecnologia aplicada foi, respectivamente, 61%, 31%, 6% e 2%. Os valores correspondentes para as patentes registadas na Europa pelos EUA são 71%, 22%, 5% e 2%. Ou seja, cerca de 2/3 da base de conhecimento citado em patentes é de investigação científica básica, apenas cerca de 1/4 é de investigação científica aplicada ou investigação básica orientada, e menos de 9% é de ciência da engenharia ou tecnologia aplicada. Estes dados revelam com clareza a miopía de políticas científicas baseadas numa preponderância de estímulos a investigação aplicada e tecnologia.

As ciências básicas da inovação tecnológica começaram por ser a mecânica de corpos rígidos e de meios contínuos (fluidos, elasticidade, termodinâmica, electromagnetismo) dos sec. XVII-XIX e a física e química moleculares iniciadas no sec. XIX, a que se juntaram os desenvolvimentos do sec. XX em várias áreas, principalmente: física nuclear, quântica e do estado sólido; biologia celular, microbiologia, bioquímica, biologia molecular. Os conhecimentos destas áreas apoiaram-se fortemente em aspectos da matemática desenvolvidos principalmente nos sec. XIX -XX: análise, álgebra, geometria, topologia, teoria da probabilidade, optimização, combinatória, lógica, teoria dos números, etc., facto expresso por Edward E. David, Presidente do Departamento de I&D da Exxon Co., na frase “The high technology so celebrated today is essentially a mathematical technology” .

A educação da população é um factor crítico para a inovação na economia baseada no conhecimento. Não é possível incorporar e sustentar na produção de uma empresa conhecimento e tecnologia para os quais os seus recursos humanos não têm bases educacionais para se adaptarem. A inovação de produtos, processos ou organização com base em tecnologia avançada exige recursos humanos com uma elevada base educacional e preparação para aprendizagem ao longo da vida. O aumento da base científica e tecnológica da inovação torna este aspecto particularmente agudo. Como é salientado na publicação da OCDE Knowledge Management in the Learning Society, 2000: “No modo de produção emergente, conhecimento é o elemento nuclear e aprendizagem é o processo mais importante”.

Portugal tem uma séria deficiência estrutural em educação da população. Dados da OCDE de 2001 indicam que em 1999 a fracção da população entre 25 e 64 anos com educação pós-secundária era em Portugal apenas 9%, enquanto na Finlândia era 32%, na Alemanha 29%, na Dinamarca 26%, no Reino Unido 25%, na Grécia 23%, na França, Espanha e Irlanda 21%. Mais grave ainda, dados da CE relativos a 2002 indicam que a fracção da população entre 25 e 64 anos que concluiu o último ciclo de educação secundária é em Portugal 21%, de longe o mais baixo valor da Europa (incluindo os países de Leste) a que se seguem Espanha com 42%, Itália com 44%, Grécia com 53%, enquanto em toda a UE-15 é 65%, nos países em acesso à UE 81%, na Dinamarca 80%, na Finlândia 75%, na Irlanda 60%. Além disso, o crescimento médio anual deste indicador em 1998-2002 foi 0,9% em Portugal, 1,3% na UE-15, 4,9% na Espanha, 1,6% na Itália, 2,6% na Grécia.

Em Portugal sobressai um gravíssimo problema de insucesso e abandono no ensino básico e secundário que, provavelmente, constitui o principal bloqueio estrutural do país. Dados da CE relativos a 2002 indicam que a fracção da população entre 18 e 24 anos sem educação além do ensino básico que não está a estudar nem em formação é em Portugal 45%, de longe o valor mais elevado da Europa (incluindo os países de Leste) a que se seguem a Espanha com 29% e a Itália com 24%, enquanto em toda a UE-15 é 19%, nos países em acesso à UE 8%, na Finlândia 10%, na Dinamarca 13%, na Irlanda 15%.

Estes dados deveriam só por si afastar a possibilidade de replicar em Portugal, agora, o “modelo de desenvolvimento” de países como Finlândia, Dinamarca e Irlanda, ao contrário do que muitas vezes se vê demagogicamente sugerido!

O Sistema de Ciência e Tecnologia (SCT) é uma infra-estrutura básica para a economia baseada no conhecimento. A qualificação de recursos humanos é o factor principal para a invenção e a difusão de tecnologia e apoia-se no SCT mesmo nos aspectos de formação técnica. A dimensão e a qualidade do SCT são essenciais para a actualidade e permanente actualização do ensino e da formação, dado que tem um papel fundamental no estímulo de: uso do conhecimento, criatividade, inovação, modernização, actualização contínua, qualidade, avaliação sistemática, internacionalização, empreendedorismo, assunção de riscos. Estes atributos, essenciais na aprendizagem, são parte integrante da profissão de cientista. Assim, o desenvolvimento do SCT não é uma questão de selecção de áreas prioritárias, mas de promoção da qualidade e dimensão necessárias em todas as áreas.


As principais funções da parte universitária do STC nos sistemas de inovação são:

As prioridades de desenvolvimento das capacidades científicas e tecnológicas em Portugal devem ser:                              

O grande atraso de Portugal verifica-se apesar de uma muito rápida recuperação recente, dado que de 1982 para 1999 os números de investigadores, doutorados e publicações reconhecidas internacionalmente cresceram, respectivamente, 4, 8 e 10 vezes. 

A inovação realizada em 1997-2002 pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia nestes domínios documentada no seu relatório Cinco Anos de Actividades – Relatório 1997-2001, mas em regressão desde meados de 2002, pode ser um interessante caso de estudo de avanços e recuos na inovação em políticas e gestão públicas.       

 

Bibliografia

·       EC, Third European Report on Science & Technology Indicators – Towards a knowledge-based economy, 2003.  ftp://ftp.cordis.lu/pub/indicators/docs/3rd_report.pdf

·       EC, Joint Interim Report "Education & Training 2010: the success of the Lisbon Strategy hinges on urgent reforms“, 26.02.2004 http://europa.eu.int/comm/education/policies/2010/doc/jir_council_final.pdf

·       OECD, Science Technology and Industry Scoreboard 2003. http://www1.oecd.org/publications/e-book/92-2003-04-1-7294/

·       OECD, Knowledge Management in the Learning Society, 2000.

·       OCT, Cinco Anos de Actividades – Relatório 1997-2001 da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2002. Excertos em: http://www.math.ist.utl.pt/~lmagal/Re.htm

·       Buderi, R., Engines of Tomorrow – How the world’s best companies are using their research labs to win the future, Simon & Schuster, New York, 2000.

·       Mowery, D.C., Rosenberg, N., Paths of Innovation – Technological change in 20th-century America, Cambridge Univ. Press, Cambridge, 1998.