O Programa de Doutoramento do IST

Antes de expor em detalhe as minhas opiniões e fazer algumas propostas sobre este assunto, uma observação geral sobre o documento proposto: apesar de concordar com alguns aspectos, penso que o documento é demasiado genérico, uma espécie de carta de intenções, não traçando um verdadeiro perfil dos programas de doutoramento no IST. Se é verdade, que há bastantes decisões que podem (e devem) ser deixadas aos Departamentos, penso que neste caso é do interesse da Escola que exista alguma coerência e uniformização entre os vários programas, e que o Conselho Cientifico cumpra a sua tarefa de liderança cientifica da escola.

I. Ensino de Pós-graduação no IST

Já defendi em vários foruns que o futuro do IST depende de um investimento sério no ensino de pós-graduação (ver e.g. intervenção no debate sobre o Ensino da Matemática, Fevereiro 99, organizado pelo CIM). Em escolas de Ciência e Tecnologia de prestígio a que nos pretendemos aproximar, tais como MIT, Imperial College ou CalTech, (muitas delas de dimensão, em número total de alunos, semelhante à do IST), as percentagens de alunos graduação vs. pós-graduação anda sempre à volta dos 50%-50%. Actualmente, existe no IST um desequilibrio a favor do ensino de graduação de aproximadamete 15%-85%.

Estes números reflectem, quanto a mim, um défice de investimento pelo IST em ensino de ponta. Por outro lado, o argumento de que o IST tem a responsabilidade de formar uma grande parte dos engenheiros do País, faz cada vez menos sentido, como se pode verificar com a oferta (e a procura!) actual de vagas em Engª em Universidades Portuguesas. O IST devia pois eleger como objectivo estratégico uma diminuição progressiva do número de alunos do ensino de graduação e um aumento do número de alunos de pós-graduação. Quanto a mim este objectivo pode ser atingido através de uma diminuição do número de alunos dos grandes cursos, a eliminação de cursos manifestamente ultrapassados, e o congelamento na criação de novas licenciaturas. Se houver cuidado na forma como se atinge este objectivo, poderão ainda obter-se mudanças significativas na qualidade do ensino prestado no IST a nível de graduação.

Um outro factor que pode incentivar a esta mudança é o financiamento. Como

se sabe o financiamento do ensino universitário público pelo estado, é numa base "per capita", e dificilmente será alterado pelo governo sem uma forte pressão pelas universidades. Penso que a maioria das universidades não está interessada em alterar essa lógica de financiamento. Se uma escola como o IST, apresentar um perfil de ensino de ponta, com uma componente de pós-graduação muito forte, será mais fácil à sua administração (caso tenha vontade...) de convencer o Estado a alterar essa forma de financiamento. Simultaneamente, torna-se mais fácil a captação de financiamentos junto de outras fontes.

É neste contexto que entendo que o IST deve possuir programas de pós-graduação (mestrado e doutoramento) perfeitamente estruturados, incluindo parte curricular e provas, com regras transparentes que permitam garantir a qualidade desses mesmos programas. Estas regras devem ser estabelecidas para que seja claro, a nível interno à escola e sobretudo a nível externo à escola, a qualidade dos programas de pós-graduação, o que terá reflexos na captação de novos alunos, na captação de financiamentos, e, claro, no prestígio da escola.

As propostas que apresentarei mais abaixo devem ser vistas à luz destes princípios.

P.S.: É claro que muitos dos comentários e propostas abaixo são inspirados no sistema de pós-graduação dos EUA, que conheço melhor e que penso ter bastante sucesso.

II. Organização de programas de pós-graduação.

II.I. Captação de alunos

Os alunos que frequentam programas de pós-graduação no IST têm várias origens:

i) alunos de licenciaturas e mestrado do IST que ingressam em mestrados e/ou doutoramentos;

ii) alunos de licenciaturas e mestrado de outras universidades portuguesas que ingressam em mestrados e/ou doutoramentos;

iii) alunos de outros países que ingressam em mestrados e/ou doutoramentos;

 

O estado de conhecimentos dos alunos de diferentes origens não é homogéneo. Por outro lado, os alunos podem ter vários percursos tais como

licenciatura->mestrado->doutoramento

licenciatura->doutoramento

licentura+mestrado->doutoramento

(a última via corresponde a programas integrados de licenciatura e mestrado que cada vez são mais frequentes).

É pois necessário uma grande flexibilidade nos curricula de pós-graduação, e em particular penso que não pode haver uma desintegração entre programa de mestrado e programa de doutoramento. Como consequência:

-Proposta 1) Deve haver apenas um coordenador do Programa de Pós-graduação(e não um coordenador de um programa de doutoramento e outro de mestrado).

-Proposta 2) Deve haver programas de pós-graduação que ofereçam graus de Mestre e de Doutor (e não um programa de mestrado e outro de doutoramento).

Penso que estas proposta só podem funcionar num sistema puro de créditos (ver mais abaixo, ponto II.2).

Por outro lado, como o número de estudantes de graduação deverá diminuir, o recrutamento de candidatos para programas de pós-graduação deverá ser, cada vez mais, feito no exterior do IST.

-Proposta 3) Criar um gabinete que:

(i) divulgue os programas de pós-graduação, não só em portugês mas noutras linguas (inglês, françês, alemão);

(ii) que processe as candidaturas;

(iii) que apoie logisticamente os estudantes (alojamento, bolsas, lingua portuguesa,...).

Este gabinete deverá ainda desempenhar um papel de apoio ao lançamento do novo formato de programas de pós-graduação (questões legais, compatibilidade entre os vários programas, etc.).

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Nota: Já existe um embrião deste gabinete, designado por Gabinete de Apoio à Pós-Graduação.

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A minha experiência como coordenador mostra que uma questão essencial para o bom funcionamento destes programas é os prazos.

-Proposta 4) Os processos de candidatura (incluindo seleção de candidatos) devem estar terminados até ao dia 31 de Maio de cada ano.

 

II.2 Currículo dos Programa de Pós-graduação

Os curriculos do programas de pós-graduação devem gozar de grande flexibilidade. Esta flexibilidade deve obedecer a regras precisas para que seja claro no exterior da escola a qualidade desses programas.

- Proposta 5) O currículo de um programa de pós-graduação consta de três partes:

i) Parte escolar;

ii) Exames preliminares;

iii) Tese;

Penso que seria conveniente se

- Proposta 6) Todos os programas de pós-graduação da escola possuem a mesma estrutura.

O que se segue é o desenvolvimento destas duas propostas.

II.2.i Parte escolar:

A parte escolar deve constar de um sistema de créditos (vamos tomar 1 (um) crédito como equivalente a 1h/semana/semestre com semestre=12 semanas).

Este sistema de créditos permitiria integrar os vários programas de licenciatura/mestrado/ doutoramento.

Para um programa de pós-graduação a parte escolar consta de:

- Grau de mestre: pelo menos 12 créditos;

- Grau de doutor: pelo menos 24 créditos;

A distribuição deste créditos deve obedecer a algumas regras:

a) As cadeiras elegíveis para este sistema de créditos estão dividos em três níveis:

- nível L: cadeiras com grau de dificuldade semelhante aos actuais 3º e 4º ano de licenciatura (exemplos: Análise Complexa, Processos Estocásticos; Elementos Lógicos da Programação,...);

- nível M: cadeiras com grau de dificuldade semelhante aos actuais 5º ano de licencitura e mestrado (exemplos: Fundamentos de Equações Diferenciais Parciais, Álgebras de Operadores,...);

- nível D: cadeiras de tópicos;

Para a obtenção dos vários graus é necessário completar tantas cadeiras de cada nível.

b) As cadeiras elegíveis para este sistema de créditos serão divididas em áreas científicas. Para cada grau é necessário escolher uma área científica e completar certo número de créditos numa área e certo número de créditos fora dessa área ("depth" e "breath" do programa).

II.2.ii Exames preliminares

Após ter sido admitido no programa de pós-graduação, e até ao final do primeiro ano, o aluno deve submeter-se a exame(s) preliminar(es) escrito(s). A passagem deste(s) é condição sine qua non para a prossecução do programa de doutoramento. Caso contrário o aluno só pode completar o grau de mestre.

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Nota: As existência de exames escritos é, por um lado, uma forma de seleccionar os alunos que podem frequentar um programa de doutoramento, e por outro lado, uma forma de a escola mostrar ao exterior o grau de exigência que requerem os seus programas de pós-graduação.

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Até ao final do segundo ano, o aluno que pretenda obter o grau de doutor tem de submeter-se a um exame preliminar oral, onde apresenta uma proposta de tese.

II.2.iii Tese

O aluno deve escolher o seu orientador depois de ter sido aprovado no exame preliminar escrito (final do 1º ano). A tese deve ser completada até ao final do 4º ano, com um possível prolongamento de mais um ano. Obviamente, haverá uma discussão pública da dissertação.

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Nota: A meu ver, é muito importante o estabelecimento (e cumprimento) de prazos. É um garante de não haver abusos no sistema.

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II.3 Financiamentos

O financiamento de programas de pós-graduação é uma questão essencial para a sobrevivência da escola, caso haja uma aposta clara neste tipo de ensino. No sistema actual, o regulamento de propinas de mestrado e doutoramento do IST fixa em 800 000$00/ano o valor da propina para ambos os programas. Este regulamento estabelece reduções de propinas para várias classes, a saber:

- Docentes do IST e de outras univ. públicas (100%);

- Docentes do ens. publico e univ. privadas (75%);

- Investigadores e funcionários do IST (85%);

- Vários descriminados (até 75%);

Assim, esta fonte de rendimento que devia ser importante para o IST, não o tem sido. Por exemplo, no ano de 1997 (último ano de que possuo o relatório de contas do IST), num universo de 990 alunos de pós-graduação, e um rendimento potencial de quase 800 000 contos, foram pagos 46 498 contos de propinas! Por exemplo, se um aluno da Universiade Lusófona faz o seu doutoramento/mestrado no IST apenas tem de pagar 25% do valor da propina, e o restante nunca entra no IST (apesar dos recursos serem gastos). Isto é, o IST está a financiar outras universidades privadas...

- Proposta 7: Que seja adoptado um sistemas real de propinas (e não ficticio).

Infelizmente não posso ser mais concreto neste proposta porque não tenho conhecimentos para isso. De qualquer forma, quando digo "sistema real" estou a pensar que se há recursos a serem gastos então as propinas devem ser cobradas. Por exemplo, no caso dum docente da Universidade Lusófona, deveriam ser cobrados 25% ao docente e os restantes 75% à Universiade Lusófona. O mesmo também deve acontecer com docentes de outras universiadades públicas (100% neste caso). Da mesma forma, quando um estudante possui uma bolsa da FCT para mestrado/doutoramento, caso estude no estrangeiro, a FCT paga o valor das propinas à universidade que frequenta. O mesmo deveria acontecer obviamente no IST e, ao que julgo

saber, não acontece.

 

Rui Loja Fernandes

Departamento de Matematica, Instituto Superior Tecnico

rfern@math.ist.utl.pt

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