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FotoEstudante Tunante, Universidade Bargante, Governo Distante
Por VITAL MOREIRA
Terça-feira, 11 de Abril de 2000

A pindérica adesão às manifestações dos estudantes do ensino superior público na semana passada em Lisboa, no Porto e em Coimbra tornou-as verdadeiramente irrisórias.

Num sentido, isso é bem feito. Bastava um dos objectivos da contestação para a tornar insuportavelmente oportunista. Refiro-me à luta contra a aplicação da noção de "estudante não elegível" para efeitos de cálculo do financiamento estadual dos estabelecimentos de ensino superior público.

De facto, a lei estabelece que o financiamento do Estado será calculado essencialmente com base no número de estudantes de cada estabelecimento, exceptuando-se porém os "não elegíveis" para esse efeito, considerando-se como tais os que reprovem tantas vezes que deixem de poder completar os respectivos cursos em seis anos (no caso de cursos de quatro anos), ou em oito anos (no caso de cursos de cinco anos) ou em nove anos (no caso de cursos de seis anos). Nesses casos, os estabelecimentos só terão duas alternativas: ou suportam esses estudantes (se é que se podem ainda chamar assim depois de tantas reprovações) com verbas recebidas por conta dos demais estudantes, ou adoptam esquemas de prescrição que as libertem desse peso morto.

É evidente que a oposição de alguns sectores estudantis, apoiados por alguns sectores políticos (inevitavelmente o PCP), não pode merecer a mais leve simpatia. O sistema de ensino público não pode servir para manter estudantes "faz de conta" a ocupar vagas que outros estudantes mais aplicados melhor utilizariam e a "mamar" parasitariamente no seu orçamento, que é esmagadoramente suportado pelo Orçamento de Estado, ou seja, pelos pagadores de impostos, dada a ridícula importância das propinas, que em alguns cursos (por exemplo, Medicina) não chegam a cobrir um trigésimo dos respectivos custos. Quem se deseje candidatar ao estatuto de eterno estudante calaceiro deve procurar as universidades privadas (que bem precisam de alunos), pagando o respectivo custo.

Mas, por outro lado, existem boas razões de queixa contra o actual estado de muitos estabelecimentos de ensino superior. Todavia, a responsabilidade deve ser dividida a meias pelos próprios estabelecimentos e pelo Governo.

A gestão de muitos estabelecimentos de ensino superior deixa a desejar. O excesso de pessoal administrativo e auxiliar (e em alguns casos de pessoal docente), a multiplicação de cursos sem procura compensadora, a aventura de pólos e extensões territoriais sem a mínima justificação, a falta de métodos elementares de gestão financeira e contabilística, a gestão directa de tarefas que melhor seriam efectuadas por empresas privadas, tudo isso contribui para uma gestão financeira onde a eficácia escasseia e o desperdício abunda.

A maior parte dos estabelecimentos não dispõe de contabilidade analítica. E as que a adoptam não seguem o mesmo sistema. Algumas universidades entraram numa espiral de incontinência financeira, como sucede com o Instituto Superior Técnico, de Lisboa, que se candidata a ser uma espécie de região autónoma da Madeira em matéria de gestão financeira. Projectos megalómanos, excesso de pessoal docente, cursos à grosa, tudo contribui para um buraco financeiro de proporções inquietantes (fala-se em quatro milhões de contos). Há algum tempo um responsável (!?) desse estabelecimento de ensino veio confessar em plena televisão que tinha procedido ao desvio das verbas retidas a título de IRS, IVA e contribuições da Segurança Social, para pagar despesas correntes. Não consta que ninguém tenha sido disciplinarmente nem penalmente incomodado por uma infracção de tal gravidade!...

Mas o Governo não está isento de responsabilidades. Não pode sacudir a água do capote invocando o autogoverno das universidades e institutos politécnicos e o cumprimento (aliás, defeituoso) das obrigações da lei do financiamento. O Governo é culpado de grave alheamento, por efeito de inércia legislativa e de desuso dos seus poderes de tutela e de fiscalização. Testemunhos gritantes desse censurável distanciamento são o adiamento indefinido da reforma da carreira docente do ensino superior, de modo a aumentar a mobilidade e competitividade, a contemporização com todas as aventuras em matéria de criação de novos cursos e de pólos e extensões sem tom nem som, a falta de coragem em encarar um sistema de incompatibilidades que ponha um mínimo de contenção na inacreditável promiscuidade entre o sistema público e o sistema privado, naturalmente à custa do primeiro, e sobretudo a inércia face aos evidentes atropelos da gestão financeira dos estabelecimentos de ensino superior.

Impõe-se estabelecer um sistema obrigatório e uniforme de contabilidade analítica, agilizar as formas de gestão, responsabilizar os estabelecimentos pelo cumprimento dos orçamentos e das normas de gestão financeira, fazer aplicar sem contemplações a regra do "estudante não ilegível", penalizar severamente o excesso das quotas de despesas de pessoal, impor a concessão ou "contracting out" de tarefas alheias à função docente e de investigação, discriminar a remuneração dos docentes de acordo com a prestação de cada um para as tarefas do estabelecimento, que não se limitam às tarefas docentes, etc.

Não podem continuar letra morta (ou quase) as normas legais que garantem a objectividade da repartição do financiamento estadual das universidades (pondo termo aos privilégios de algumas escolas com mais influência na Avenida 5 de Outubro), que valoram os programas de mestrado e doutoramento como factores de financiamento e sobretudo que impõem um "rigoroso e exigente acompanhamento crítico da aplicação dos financiamentos atribuídos às instituições", incluindo a "avaliação (...) sistemática e continuada" e a "realização de auditorias especializadas" (como estabelece o art. 12º da lei do financiamento).

A autonomia dos estabelecimentos de ensino superior é um adquirido institucional, aliás constitucionalmente garantido. Mas nada pode haver de pior do que a autonomia sem responsabilidade, sobretudo em matéria financeira. E o alheamento do Estado não é menos grave do que a deriva dos estabelecimentos. Topo de Página

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